É hora de avançar com firmeza na direção da construção de uma democracia participativa no Brasil - e o desenvolvimento das relações entre Agentes Públicos e Agendes Privados como área do conhecimento, garantia constitucional, profissão e prática é estruturante para o sucesso dessa caminhada. Os limites da nossa democracia representativa estão claros e expostos pela insatisfação demonstrada nas ruas ao longo dos últimos anos. A agenda do Congresso Nacional nesta nova Legislatura coloca em pauta questões sensíveis para a sociedade civil. As redes sociais estão mobilizadas, mas pouco dessa mobilização efetivamente chega com qualidade a quem toma decisão. De seu lado, o empresariado brasileiro despertou na primeira década do Século 21 para a necessidade de acompanhar e interferir nas mudanças constantes no ambiente regulatório, ao ficar evidente já com as políticas públicas dos anos Lula o advento de um Estado que interfere cada vez mais decisivamente na economia, na sociedade e no meio ambiente através de sofisticados instrumentos de indução, coordenação, financiamento, fomento, apoio, investimento, entre outros, além dos tradicionais comando e controle. Tornou-se imperativo, como se vê por essas movimentações, aproximar quem toma a decisão de quem sofre as consequências de tal decisão.
O processo de decisão política precisa ser arejado, e esse arejamento deve dar-se pelo desenvolvimento de mecanismos de participação de quem neles tenha interesse. Hoje, essa participação é feita sem regras, com entraves, de modo obscuro, sem segurança jurídica, sem garantias de que os interessados sejam ouvidos, nem regras para que as relações entre os interessados e os tomadores de decisão sejam transparentes, públicas, qualificadas - ou para que as partes envolvidas prestem contas dessas relações à sociedade.
A construção dessa democracia participativa exige passos a serem dados em diversas frentes estratégicas. Exige regramento para a participação no processo de decisão política. Exige formação e capacitação de profissionais para a participação nesse processo. Exige oferecer informação sobre métodos, práticas, objetivos e propósitos das relações entre o Público e o Privado. Exige regras de conduta para os profissionais que defendem interesses no processo de decisão política. Exige que Cidadãos, Agentes Econômicos, Agentes Sociais, Sindicatos, Academia, Imprensa e os próprios Agentes Políticos tenham acesso a tais métodos, conheçam seus mecanismos e práticas, de modo que, de um lado, saibam utilizá-los e, de outro, reconheçam seu valor e importância estrutural para a democracia.
Relações governamentais, entendidas como acompanhamento estratégico da atividade governamental e defesa de interesses em processos de decisão política, são, historicamente, vistas como uma atividade, não uma profissão. Quem atua na área monitora o modo como debates e processos de decisão em curso no Legislativo, no Executivo e no Judiciário podem vir a afetar o ambiente social ou de negócios; informa o desenrolar de processos de decisão estratégicos; analisa os desdobramentos de tais debates e decisões; projeta cenários de risco ou oportunidade; orienta seus representados sobre como participar de decisões políticas estratégicas para a sua operação; interage com outros afetados por tais processos ("stakeholders") e com os tomadores de decisão, apresentando informação de qualidade para o aperfeiçoamento de proposições legislativas (Legislativo) ou de atos normativos (Executivo); e avalia o resultado dessas ações sobre os interesses de quem represente.
É uma atividade complexa sobre cujos contornos é preciso, urgentemente, jogar luz; para cujos métodos é preciso dar norte ético; e cuja importância para a evolução da democracia no Brasil é imperativo que seja explicada, difundida e defendida. A História de relações entre o Público e o Privado no Brasil precisa tomar novo rumo. Há avanços concretos já em vigor na direção desse novo rumo, do que são exemplos a Lei Anticorrupção, a Lei de Conflito de Interesses e a Lei de Defesa da Concorrência. Há mais a fazer, no entanto.
A especificidade das Relações Governamentais como campo do conhecimento fica demarcada, antes de se entrar no seu mérito, pela adesão, como se verá abaixo, da Academia a essa nomenclatura e a adoção de uma grade curricular específica para a área. Trata-se de área específica no que bordeja, mas não se resume a, Direito, Economia, Regulação, Ciência Política, Comunicação, Gestão Estratégica, Relações Internacionais e Ética.
Relações Governamentais despontam como área do conhecimento e objeto de interesse da sociedade brasileira. Isso é índice do amadurecimento de algo central para a democracia participativa.
A ABRIG - Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais está trabalhando em todas as frentes de democratização da democracia aqui referidas. No seu sítio na internet (www.relgovbrasil.com.br), é dado acesso à sua contribuição para o debate em torno da regulamentação da defesa de interesses em processos de decisão política. Encontra-se lá, também, um estudo comparativo da regulamentação da matéria em mais de 20 Países. Pode-se analisar, também, o Código de Conduta do Profissional de Relações Institucionais e Governamentais, em vigor há sete anos, atualmente em revisão, e que obriga todos os seus associados.
Se "atividade" é um fazer da experiência feito, na expressão de Camões, já "profissão" exige acesso a um universo de conhecimento específico e adesão a princípios, valores, métodos e propósitos. A ABRIG entende que é hora de profissionalizar as Relações Governamentais. Para tanto, desenhou uma estratégia para tornar Relações Governamentais uma profissão até 2016. O primeiro passo é a sua inclusão na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, do Ministério do Trabalho e do Emprego. Hoje, quem atua na área é classificado da maneira mais conveniente a seu empregador, sob nomenclaturas que em nada descrevem sua ocupação. A inclusão de Relações Governamentais no CBO não é condição necessária, nem suficiente, para o reconhecimento da profissão. Este se dá por meio de projeto de lei, que pressupõe justamente formação adequada. A ABRIG está trabalhando nessa vertente e pretende fechar sugestão nesse sentido até o fim deste primeiro semestre de 2015. Esse sugestão será encaminhada à Câmara dos Deputados o mais tardar em agosto deste ano.
Noutra vertente, esta de relações com o mercado, a ABRIG está programando estudos para desenvolver métricas para o impacto de ações estratégicas de Agentes Econômicos sobre cenários de decisão, ou seja, como ficaria determinado cenário se nada fosse feito, em comparação com o resultado final após uma ação estratégica de Relações Governamentais. A ideia é medir a eficiência da defesa de interesses na mitigação de riscos políticos, no que mede o benefício econômico, social ou ambiental de tal participação.
Para dar publicidade a estudos e artigos sobre a área, a ABRIG planeja uma revista de Relações Governamentais programada para vir a público no segundo semestre, em colaboração com instituições de ensino de primeira linha, nacionais e internacionais.
É nesse contexto que, esta segunda-feira, às 19 horas, a Fundação Getúlio Vargas em Brasília, com o apoio da ABRIG, apresentará a aula inaugural do seu MBA em Relações Governamentais. É o primeiro do gênero sobre a matéria no Brasil. Mais de 40 alunos inscritos, um sucesso. Ao fim de 2015, não será mais o único MBA na área. Já há um curso de graduação em Relações Governamentais, oferecido pela ESPM em São Paulo, desde 2014. E passa de uma dezena o número de instituições de ensino no Brasil que programam para 2015 cursos com focos variados e extensão idem ligados a Relações Governamentais, que assim afirma-se como área do conhecimento, para além de uma prática. Está-se passando, como se vê, da capacitação para a formação.
A ABRIG parabeniza a FGV por essa iniciativa histórica de formar para participar; e participar para democratizar a democracia. Esse é o desafio do momento. Um desafio para a sociedade brasileira, e que afeta direta e imediatamente milhares de pessoas que trabalham com Relações Governamentais no País.
Caio Leonardo Bessa Rodrigues, presidente da ABRIG - Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais
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